29 maio 2008

TUXÁ

POVO TUXÁ (povos indígenas de Pernambuco)

1.Ocupação territorial, descrição da aldeia e situação jurídica

Os Tuxá são um grupo indígena que vive próximo ao curso submédio rio São Francisco, nos limites dos municípios de Ibotirama (Área Indígena Tuxá de Ibotirama) e do município de Rodelas (Áreas Indígenas Tuxá de Rodelas e Nova Rodelas), ambos no estado da Bahia, e à margem direita do rio Moxotó, junto aos limites do município pernambucano de Inajá, onde se situa a Terra Indígena Tuxá da Fazenda Funil. Esta divisão aconteceu logo após as antigas terras dos Tuxá serem inundadas pela construção da barragem de Itaparica, pela Chesf. Ocorreu então, com a construção dessa barragem, em 1988, a inundação da área e os índios foram transferidos para duas outras áreas distintas. Uma na nova cidade de Rodelas e outra em Ibotirama (ambas na Bahia), além da área situada no município de Inajá (PE), no outro lado da divisa entre os estados.
Habitantes do Brasil, mesmo antes da colonização, o povo Tuxá veio resistindo ao extermínio e à penetração pecuarista no Nordeste do País. No passado, este povo foi dono de mais de 30 ilhas no Rio São Francisco e viveu, nos últimos anos, na Ilha da Viúva, em Rodelas (BA). Na memória e na vida cotidiana dos Tuxá estão as lembranças da Ilha. Como explicam os mais velhos, lá os índios tinham suas roças, havia plantações de várzea, árvores frutíferas, hortaliças e criação de animais.
Os Tuxá da cidade de Rodelas, que estão em maior número (na relação entre as três subdivisões), constituem a sua “aldeia” num prolongamento da área central da cidade, a noroeste, acompanhando o curso do Rio São Francisco. A aldeia compõe-se de um arruamento com dezenas de casas, habitadas unicamente por famílias indígenas, além de uma área arenosa vizinha, com aproximadamente 1km. Uma área de caatinga, que se interrompe às margens do rio, onde existem solos mais profundos e menos pedregosos, próprios para a agricultura de várzea. O clima é quente, com baixos índices pluviométricos.
Tudo que os Tuxá vivenciam hoje é, em grande parte, relacionado com as questões da inundação, e principalmente, a luta atual pela sobrevivência e preservação dos costumes tradicionais entre os mais jovens. “Na profundeza das águas tem um mundo adormecido. Nosso território antigo, que jamais será esquecido. Velha aldeia onde nasci, na ilha onde me criei, também foi meu território, na memória guardarei”. Maria do Socorro, professora Tuxá.
Mas, como dito anteriormente, a construção da barragem da Hidroelétrica de Itaparica, em 1988, inundou a aldeia e os índios foram transferidos para três áreas distintas: na nova cidade de Rodelas (BA), o município de Ibotirama (BA) e o de Inajá (PE).

1.1 A questão da construção da barragem de Itaparica. “Desenvolvimento” versus pertencimento territorial e identidade.

Em nome do desenvolvimento econômico do Nordeste, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF) inundou quatro cidades, sendo duas em Pernambuco e duas na Bahia, para construir a barragem de Itaparica, em Petrolândia (440 km/Recife), inaugurada em 1988. Entre as cidades submersas estava Rodelas (BA), terra onde viviam os índios Tuxá. Livres, eles cultivavam 100 hectares férteis. As ilhotas temporárias do São Francisco, que surgiam após o período da enchente, eram as suas casas naturais. Nesse território, o povo Tuxá enterrava os antepassados, protegia os locais sagrados para seus rituais.
"De uma hora para outra fomos obrigados a mudar nossa cultura. Esquecer o passado. Nos trouxeram para uma cidade. Só não nos deram o mais importante, que é a nossa terra. Até hoje esperamos pelo cumprimento das promessas", desabafa dona Dorinha Tuxá, mulher do cacique da tribo, que rumou para a cidade levando quatro filhos pequenos. Nova Rodelas foi projetada e construída na Bahia.
A retirada da antiga terra praticamente dizimou com o povo Tuxá. Das 240 famílias que viviam à beira do São Francisco em um único regime, três grupos surgiram, dividindo-se entre Rodelas Nova (90 famílias), Ibotirama (96) e Inajá (9), em Pernambuco. Para compensar a falta do chão propício a uma agricultura nos mesmos moldes que as antigas terras, e a falta do rio, a Chesf passou a pagar salários aos indígenas. Em 2005 cada família recebia R$ 461,00. Já faz vinte anos e até agora, a terra não foi entregue.
"Nós somos o exemplo vivo do descaso com os povos indígenas, das mentiras do Governo. Por isso, alertamos os nossos irmãos quanto a esse novo projeto do Governo, que é a transposição. O Governo nem cumpriu o nosso acordo e como vai assumir novos?", questiona o cacique João Batista Tuxá. O chefe da tribo acredita que o Governo vem omitindo os impactos que a transposição irá trazer para os povos Tumbalalá (BA) e Truká (PE). "Não se pode tirar água de um rio que está morrendo nem mudar o que Deus fez".
Os irmãos Luís Gomes e Inês de Sena, hoje com 53 e 47 anos, foram criados correndo na tribo, se banhando no São Francisco. "Perdemos a nossa dignidade. Quem já ouviu falar de índio sem terra ou rio?", observa. A sua irmã ainda não se conformou com a mudança. "Choro quando me lembro da antiga aldeia. Os meus melhores sonhos são do tempo de criança. Éramos felizes", diz. Dona Isabele Tuxá, 79 anos, um das mais velhas benzedeiras da tribo, afirma que nunca mais soube o que era alegria. "Os índios não precisam de salário. Precisamos de terra, do contato com o rio. Todos os dias morremos nesse lugar", se emociona.
Depois de 16 anos, a Justiça reconheceu em 2004, que o povo Tuxá de fato sofreu danos morais após a transferência para a nova cidade de Rodelas. Cada família recebeu R$ 31 mil como compensação à humilhação de ter saído de suas terras. Os índios tiveram apoio do Ministério Público da Bahia, que ingressou com uma ação em 98 e cujo Termo de Ajuste de Conduta (TAC) foi assinado com a Funai, Chesf, Advocacia Geral da União e Ministério Público da Bahia. O TAC determinou que até 2009 os índios deverão receber novas terras, já irrigadas, conforme acordo da época da retirada.
"O Governo Lula reconheceu os prejuízos causados aos Tuxás. Mas não podemos assumir os erros das gestões passadas. A sociedade deve perceber que o atual Governo encontrou uma solução para um problema de 16 anos", assegura o coordenador da Chesf do Reassentamento em Itaparica, Carlos Aguiar.
Segundo ele, apesar de confirmar os prejuízos causados aos índios, Itaparica assegurou a continuidade econômica do Nordeste, que nas décadas de 70 e 80 passava por um déficit energético maior do que o de 2001. "Os índios colocam todo o peso sobre a Chesf. Foi o preço pago pelo desenvolvimento. Além disso, dotamos a comunidade de todas as condições para uma vida digna e asseguramos salário", argumenta. A barragem de Itaparica responde por cerca de 15% da produção de energia do sistema Chesf. É do seu lago de onde partirá o Eixo Leste - um dos dois canais de captação para transposição do São Francisco. O Eixo Norte seguirá de Cabrobó, também em Pernambuco.
A tese de "vida digna" defendida pela Chesf não é aceita pelo antropólogo do Centro de Cultura Luiz Freire, de Olinda, Joselito Arcanjo, que desenvolve projetos junto aos povos indígenas. "Ao ser retirado, o povo Tuxá foi humilhado, perdeu seu referencial. O branco não entende o que significa para o índio seu território, seus lugares sagrados. O salário pago pela Chesf relembra a saída de suas terras. Não é um dinheiro vindo de trabalho", diz. O significado do dinheiro pode ter sentidos distintos para o não-índio e para o índio. O não-índio da cidade está acostumado a isolar a significação do que vem a ser dinheiro ou salário, separando estes termos do trabalho. O dinheiro assume uma posição eminentemente consumista, quando o trabalho até mesmo é tido como tortura, oposto ao sentido de satisfação pessoal. Para o índio, o trabalho em suas terras, suas posses, ou sua comunidade tem um valor simbólico e moral. O simples fato de receber remuneração não traz satisfação significativa para o índio. Antes, o dinheiro que conseguia vinha através do seu trabalho, em sua posse, suas terras e em sua comunidade, junto ao seu povo. O trabalho viria a conferir sentido de existência para os indígenas, em suas terras, onde faziam e traziam sua história. O salário que recebem, como disse o antropólogo Joselito Arcanjo, lembra para muitos a retirada forçada de suas terras para outro território em que não vêem sentido em ficar, nem mesmo possibilidades de trabalho de forma significativa.


“veja bem fomos acometido por uma barragem na decada de 80, que assim diziam e dizem que era para cedermos margem para o progresso, nos tiraram do nosso habitat natural acreditavamos que era mesmo para a evoluçao do progresso que no entanto nao foi...mas estamos aqui firmes fortes dando continuidade a nossa luta que é a de sempre em defesa do nosso Povo, mesmo com as aguas acima daquilo que tiamos de belo a nossa infancia adolescencia, a velice de nossos ancestrais e demais riquezas que as aguas do falso progresso emergiu.”
(Dipetá Tuxá)


1.2 Os Tuxá em Inajá (PE)

A população da AI Tuxá de Inajá é composta por famílias Tuxá transferidas de terras em Itacaratu / PE, submersas pelo lago da hidrelétrica de Itaparica, conforme convênio firmado entre FUNAI e CHESF (Cia. Hidrelétrica do São Francisco) em 1985.
Em 25 de setembro de 1986 foi realizada reunião em Itaparica com a presença de representantes da FUNAI, da Chesf e das famílias Tuxá do núcleo de Itacuruba / PE, para discutir sobre o reassentamento do grupo em área a ser adquirida no município de Inajá / PE. O relatório do representante da FUNAI sobre a reunião, informava que a área escolhida em Inajá, inclusive com o consentimento dos índios, era de 380 ha, dos quais 190 ha de área fértil e o restante de terra arenosa, cuja dimensão abrangia parte dos estados de Pernambuco e Alagoas.
O proprietário da área em questão se recusou a negociar apenas parte da terra, aquela considerada fértil, de modo que se decidiu na reunião que além dos 380 ha, seria adquirida mais uma área, já vista pelos índios. Isto elevava o total adquirido para cerca de 400 ha, que o representante da Chesf alegou ser extensa para um número reduzido de índio; com isto ficou estabelecido que famílias de não-índios parentes dos Tuxá de Itacuruba, seriam incluídas no reassentamento.
O imóvel adquirido pela Chesf denominou “Fazenda Funil”, a margem direita do rio Moxotó, confronta-se nos demais limites com terras pertencentes ao DNCOS. Há, contudo, divergências nas informações com relação à extensão da “Fazenda Funil”; a FUNAI indica 140 ha, e projetando irrigação para 27 ha; e já no memorial descritivo e planta do imóvel apresentada pela Chesf constam 164 ha. Não há qualquer reconhecimento formal desta como “terra indígena”, tal como se constata em outras áreas na região; efetivamente trata-se de uma área de terras adquiridas por órgão público, em nome deste, para “assentamento” de índios. O reconhecimento da terra como indígena seria um elemento importante para a defesa dos interesses dos Tuxá, o que ainda não consta formalmente. Essa é um fato importante na constituição dos interesses do povo indígena, já que toda questão de propriedade territorial, tendo em vista possíveis conflitos de interesse pela questão da terra, são travados tendo por base os direitos conquistados (ou ainda a serem conquistados) com base em mecanismos jurídicos formais, tendo em vista a conquista e a defesa dos interesses indígenas frente ao Estado e aos seus opositores nesta questão.




Organização social, população, modelos de organização (associação)

Estados: BA e PEPopulação: 1.950

Sendo talvez uma síntese dos Procá e Periá e donos a muito tempo de mais de 30 ilhas no Rio São Francisco, os Tuxá que viviam ultimamente na Ilha da Viúva em Rodelas (BA), habitavam uma terra fértil de onde tiravam o seu sustento.
Eles estavam, então, até 1987, agrupados em torno da aldeia de Rodelas, norte da Bahia, fronteira com o estado de Pernambuco. Como dito anteriormente, com a inundação das terras antigas pela Chesf, o povo se dividiu em três territórios. A história da relação desse povo com a sociedade colonial / nacional é antiga, datando desde as primeiras penetrações da frente pastoril, no século XVII, que foram acompanhadas pelos missionários, que fundaram várias missões na região. A cidade de Rodelas originou-se de uma dessas missões, consagrada a São João Batista, que foi, portanto, chamada de Missão de São João Batista de Rodelas. Houve muitas pressões de pecuaristas em torno da região, onde foi sendo reduzido cada vez mais o espaço dado às missões, o que ocasionou agrupamento compulsório de vários povos em um mesmo território. Verificamos neste ponto a questão dos conflitos de interesses por terras na região, que obrigou àqueles que não conseguiram se sobrepor ante os interesses econômicos das oligarquias que buscavam tomar o espaço territorial como fonte de lucro.
As terras onde estão situados os povos Tuxá, na atualidade, são pouco agricultáveis pouco férteis. A situação econômica atual é preocupante.
Na constituição da história de sua organização social, a memória Tuxá registra particularmente episódios ligados à ocupação holandesa, destacando a figura de Francisco Rodelas, considerado o seu primeiro cacique, e que teria lutado ao lado de Felipe Camarão.
Do contato dos índios com os brancos, os indígenas tomaram parte da cultura e religião destes através das missões, que eram excursões que levavam a educação ocidental e a religiosidade européia a grupos indígenas localizados em várias partes do Nordeste. Destas missões, a de São João Batista de Rodelas tem sua influência junto aos Tuxá, quando muitas características culturais provenientes dela perduram até os dias atuais. É muito provável que tenha se constituído num pólo de convergência para outras etnias, oriundas de outros aldeamentos, como indicam alguns relatos, correntes entre os Tuxá. Tais relatos também dão conta da posse por parte destes índios de cerca de trinta ilhas próximas a Rodelas, que foram perdendo pouco a pouco, devido ao violento processo de usurpação, até ficarem sem nenhuma delas. Apenas na década de quarenta do século passado, graças a gestões desenvolvidas pelas suas lideranças junto ao poder público, conseguiram readquirir o controle sobre uma delas, a Ilha da Viúva.
Após longo período de constantes atritos entre índios e não-índios em Rodelas, chegou-se a uma situação de “estabilidade e integração”, prevalecendo hoje relações sem conflitos maiores entre as duas etnias. Mas esta situação não retira a insatisfação dos índios no sentido do tratamento por parte das instituições do Estado e a Chesf, no que concerne a questão do seu território, quando se viram obrigados a deixar suas terras nas quais se viam em sua história, seu passado, tinham seus trabalhos. Os índios Tuxá foram obrigados a sair de suas terras em troca de dinheiro e remuneração mensal. Diz-se aqui que há decerto uma certa “integração” entre índios e não-índios, grupo indígena e Estado, no sentido de que os Tuxá vêem-se na necessidade de buscar por alternativas de apoio institucional para almejar conquistas no plano social e buscar usufruir de alguns direitos sociais, como acesso a subsídios agrícolas, empregos nos órgãos públicos locais direcionados a políticas indigenistas, além de acesso a serviços sociais básicos.
Os índios enfrentam, contudo, o problema da extrema exiguidade do seu espaço agrícola, que os tem levado a procurar fora, alternativas de ocupação da mão-de-obra excedente, através do trabalho assalariado.
Tradicionalmente pescadores e agricultores, os Tuxá dedicam-se atualmente quase que de forma exclusiva a agricultura comercial, com base na produção de cebola, cultivo que nos últimos dez anos tem substituído rapidamente os cultivos de subsistência, reduzindo estes a espaços cada vez mais limitados. Utilizam sistema de irrigação, inicialmente apoiado no emprego de energia humana, e presentemente em eletrobombas que atingem toda a superfície cultivada da Ilha da Viúva. A introdução deste sistema de irrigação e as facilidades de acesso à moeda, graças ao comércio da cebola - efetuado no entreposto da cidade de Belém do São Francisco -, provocaram grandes transformações no modo de vida dos Tuxá, incluindo o abandono de atividades tradicionais como o artesanato, e uma crescente dependência de produtos industrializados, que abrangem hoje geladeiras, televisores, etc.
Agrupados em famílias nucleares, os Tuxá mantêm laços interfamiliares muito estreitos que não são rompidos, seja com a ocorrência de casamentos interétnicos, seja com a dos novos padrões referidos.
Além do cacique, que no caso dos Tuxá tem um papel menos central que nos demais povos indígenas na Bahia e em Pernambuco, há ainda o pajé, o capitão e o conselheiro, O primeiro, que detém muito prestígio, dirige as práticas rituais e pode ser identificado como o guardião das tradições. O capitão atua como um organizador das atividades associativas da ‘aldeia’, enquanto que o conselheiro estabelece fundamentalmente os vínculos do povo Tuxá com a sociedade nacional, representando-o junto a esta em assembléias, reuniões, conferências etc..


Festas, rituais, mitologias e aspectos religiosos

Os Tuxás perderam por completo a prática de sua língua materna e de outros elementos importantes de sua tradição, com exceção do rituais Toré e Particular, que funcionam atualmente como um sinal de identidade étnica e de coesão tribal. O ‘Toré’ e o ‘Particular’ são as formas rituais encontradas entre os Tuxá e que se constituem em mecanismos diferenciadores frente à sociedade nacional. A primeira é uma manifestação pública e coletiva, aberta à participação de todos os índios, sem distinção de idade e sexo.. Durante a sua realização, os cânticos e a dança são acompanhados da ingestão de jurema e do uso de cachimbos rituais, de madeira ou barro, e de um apito especial de madeira para atrair as forças protetoras da ‘aldeia’.
O ‘Particular’ constitui uma cerimônia mais fechada, realizada fora dos limites da cidade, vedado a qualquer participação de pessoas não envolvidas com o ritual, restrito aos adultos Tuxá casados, homens e mulheres. A utilização de jurema e fumo é bem mais intensa nestas ocasiões, que ocorrem regularmente a cada duas semanas.
Cabe atualmente às novas gerações o entusiasmo de continuar índios Tuxás, agora predominantemente organizados socialmente na cidade. Este aspecto vem sendo acolhido com empolgação pelas crianças em Rodelas, que dizem sentir muito orgulho de suas tradições, de seu passado. A preservação dos rituais Tuxá, mesmo distante da terra natal, vem sendo repassada na escola dentro da comunidade, que desde de 2001 só conta com professoras índias. Orgulhosos, os pequenos pintam o rosto, o corpo, colocam sua indumentária e pedem proteção espiritual para puxar o Toré, uma dança sagrada. As letras falam da natureza, de Deus.
Toré é um ritual de cantos sagrados em que os índios desenvolvem o sentimento de integração, amor, a união e a força para sustentar sua cultura, envolvendo as artes da natureza, dos animais e plantas, o vento, a terra, o fogo e as águas. O Toré é puxado por um mestre de canto e os outros índios respondem, no momento necessitado, quando vários indivíduos se integram numa corrente circular. O Toré é celebração, um ritual de integração entre os sentimentos indígenas e a mãe Natureza, buscando a conexão com a energia divina.
Considerado como o próprio espaço de inserção dos seres humanos a um universo mais amplo, o ritual é tido pela quase totalidade dos povos indígenas como uma confluência e presença concomitante do sobrenatural, da natureza e da humanidade. Permite ainda a reafirmação dos laços internos de solidariedade e reciprocidade, além de servir concretamente a uma dimensão econômica, por meio da redistribuição e partilha de alimentos. As danças são feitas em círculo, geralmente ao redor de uma fogueira que é a forma da oração coletiva, por momentos de mãos dadas e por outros soltos. O Toré é uma das formas básicas que mantém viva a cultura, como uma chama. Quando cantado as pessoas reavivam sua chama interior, unificando seus espíritos em um só. Une homens e mulheres, crianças e idosos, formando o equilíbrio de sustentação de um corpo coletivo: a tribo. Os cantos são infinitos, estão sempre se criando novos, guiados pelas inspiração. A partir do som da Maracá os índios revivem seus ancestrais. A Xanduca (cachimbo com tabaco), que é a forma de oração individual, solta as fumaças levando os agradecimentos e os pedidos.
A partir da prática de determinados cantos e danças, do uso de trajes e adereços específicos, genuinamente reconhecidos como indígenas (pena, arco, flecha, colares, máscaras), e acompanhados do uso de grande quantidade de tabaco e da ingestão de jurema. A jurema caracteriza-se como bebida alucinógena preparada com entrecasca do vegetal de mesmo nome. A jurema sagrada é remanescente da tradição religiosa dos índios que habitavam o Nordeste e dos seus pajés, que eram tidos como grandes conhecedores dos mistérios do além, plantas e dos animais. Depois da chegada dos africanos no Brasil, quando estes fugiam dos engenhos onde estavam escravizados, encontravam abrigo nas aldeias indígenas. Através desse contato, os africanos trocavam o que tinham de conhecimento religioso em comum com os índios. Por isso até hoje, os grandes mestres juremeiros conhecidos, são sempre mestiços com sangue índio e negro ehá a presença de jurema em rituais de cultos a divindades presentes nos rituais de cultos afro-brasileiros.
"Depois do Toré ficamos mais fortes. Nossos bisavós vêm falar em nossos ouvidos", diz entusiasmado o pequeno Taian Santos, 8 anos. O irmão de tribo Jocelino Júnior, 10 anos, acha que é importante preservar as tradições Tuxás. "Não nascemos no rio, não temos a terra, mas não podemos deixar morrer a nossa cultura", afirma. Laís Sena, 10 anos, também tem consciência de sua missão. "A minha maior alegria é de ter nascido índia. Isso ninguém tira de mim", diz. E seguem entoando: "O Rio São Francisco do outro lado de lá. Tem dois caboclos índios dançando o seu toré, bebendo água de seu coité...".


Saúde, Educação, Escolas e serviços atuais

No setor de educação, os Tuxá utilizam-se das escolas públicas locais, desde o primeiro grau até o curso pedagógico. Praticamente, toda a população em idade escolar tem acesso à escola, contando todos os estudantes, a partir da quinta série, com bolsas fornecidas pela FUNAI, para custeio do material escolar e do fardamento.
Desde 1945 existe um Posto Indígena em Rodelas, que, graças aos esforços desenvolvidos pelos Tuxá e à sua influência junto ao órgão, funcionando de forma menos irregular que em outras áreas indígenas.
O Posto também presta apoio às atividades agrícolas, através da distribuição de adubos químicos e sementes. Este posto atua de modo a prestar o apoio necessário dos órgãos gestores das políticas indigenistas à comunidade e conferir-lhe os serviços e benefícios devidos pelo Estado ao povo indígena Tuxá.


Organização e interação com o entorno, participação nas políticas públicas, vida política, câmara municipal.

As relações mantidas entre índios e não-índios em Rodelas, têm implicado numa crescente participação daqueles na política local, no âmbito da qual atuam de modo coeso, marcando posição de relativo destaque e contando com um vereador, seu representante na Câmara Municipal.
Marcos Luciano Messeder coloca que o caso Tuxá pode ser trabalhado como modelo de dependência forjada pela tutela do Estado, de modo que uma devida reorganização econômica do povo fez com que parte dos trabalhadores da coletividade que compõe o povo passasse a compor os quadros do órgão tutor (Estado e suas instituições), chegando ao ponto (onde cita o momento de sua pesquisa) de todos os cargos da FUNAI do posto indígena de Rodelas serem ocupados pelos próprios Tuxá. Esse exemplo evidencia também como a tribo passou a se integrar de forma coesa com as instituições do Estado. Ele questiona esse processo analisando que os Tuxá seriam decerto um povo mais dependente dessa assistência do estado e como isso pode caracterizar uma perda de autonomia para a configuração de uma identidade, de autonomia no processo de decisão e participação dentro do povo. O mesmo faz um contraponto com o caso dos Tremembé, que estariam sendo orientados por uma visão mais autonomista, resistindo inicialmente a serem tutelados pelo Estado.
A relação dos Tuxá com o Estado data da década de 1930, inicia-se quando o povo procura o SPI (Serviço de Proteção Indígena), para exigir garantias quando ao território. Com o apoio estatal, a partir de 1950 foram implantadas bombas de irrigação que auxiliavam na produção agrícola, dando ao povo certa autonomia produtiva, tornando as atividades independentes do regime de chuvas da região. Ainda realizavam uma economia predominantemente de subsistência (plantar o necessário para a própria comunidade), quando comerciavam somente no mercado regional. Plantavam arroz e cebola em maior proporção. Esse processo possibilitou um crescimento populacional maior, que posteriormente esbarrou nas limitações da área de cultivo e a escassez de terrenos para a força de trabalho, o que ocasionou o incentivo de migrações constantes que ameaçavam inviabilizar a comunidade.
Ainda segundo Messeder, uma das saídas para evitar a migração foi a escolarização dos mais jovens, onde começaram as interações mais sistemáticas com o universo das relações políticas regionais.
O cenário político vigente conta com todos os serviços públicos controlados por oligarquias locais que garantiam sua reprodução política por meio de concessões às pessoas do acesso aos serviços básicos. Assim, para ingressar na escola ou para receber atendimento médico com maior atenção, qualquer cidadão necessitaria ligar-se ao grupo político que monopoliza tais serviços. Essa questão é importante pois ilustra o quão da necessidade do povo para adquirir estratégia de vivência e como eram compostas as formas de acesso aos serviços públicos para o suprimento dessa necessidade de ainda constituir-se como povo inserido numa devida comunidade. A partir daí verifica-se então estas questões de entrecruzamento e ligação do povo Tuxá com os meios locais de organização social e com a manutenção da tutela do Estado e das oligarquias que trabalham no sentido de manutenção de privilégios e paternalismos. Para os Tuxá ,então, só restava a alternativa de aliar-se às oligarquias para obter as posições e manterem-se enquanto coletividade, dado que sem escolarização seria impossível estabelecer-se nos postos de trabalho locais., disponíveis quase exclusivamente no serviço público. Como conseqüência, vários Tuxá foram se integrando aos quadros do serviço de Proteção ao Índio e à FUNAI.
Esse ingresso no serviço público constitui-se como meio de alianças políticas que define em si lealdade com as oligarquias, propiciando postos de trabalho aos Tuxá no estado e no município (ocupação de cargos no posto indígena da aldeia, pos exemplo) em troca dos favores políticos das oligarquias. Essa é uma questão difícil pois o povo pode ficar extremamente dependente das decisões políticas das oligarquias e reféns dos interesses dos líderes e objetivos das mesmas, o que pode acarretar perda de autonomia sobre as decisões mais íntimas ao povo, no que concerne sua organização coletiva e as decisões acerca dos problemas econômicos, políticos e culturais no seio da comunidade. Assim, o estabelecimento, pelo órgão tutor, de um modelo político de representação comunitária constituído por um certo número de cargos gera um tipo de “camisa-de-força” que obriga a coletividade a expressar suas relações de poder em cargos com atribuições que, por sua subordinação à orientação tutelas, tornam-se ambíguas (Messeder). Essa é uma relação tríade que se dá entre oligarquias – relações políticas dos índios – órgão tutor (Estado). Ele também alerta para o ponto de que é evidente que as alianças se fazem de maneira homogênea, ou seja, nem todas as famílias Tuxá estavam ligadas aos mesmos grupos políticos da cidade, pois o posicionamento das famílias nos cargos exigiu que um grupo de parentes assuma a hegemonia no nível coletivo. Assim, o controle parental da relação com órgão tutor é (...) o que determinou a divisão política interna (ibid.). Existem evidências nas relações entre quem são os ocupantes de cargos políticos na aldeia, como o cacique, pajé, conselheiros e outros que obtiveram postos de trabalho na FUNAI, como filhos, sobrinhos ou afilhados dos primeiros.
Assim, os Tuxá viram-se na necessidade do diálogo com diversas instituições estatais e oligarquias como forma necessária de sobrevivência enquanto grupo. Da combinação de aliados distintos, como a Procuradoria da República e a ANAÍ, foi forjado um novo convênio com a CHESF. Foi um processo de reassentamento que, segundo Messeder, alterou as perspectivas políticas coletivas dos Tuxá, quando novos líderes surgiram e ocupantes de cargos ligados ao órgão tutor perderam força.





























Anexo I - CRENÇAS DO POVO

História do negro d’água
Os pescadores contam que, quando eles estavam pescando à noite, aparecia o Negro d’Água segurando a canoa para virar.
Para eles se livrarem do Negro d’Água, eles mostravam uma faca ou um pedaço de fumo.
Imediatamente, ele soltava a canoa, pois o negro d’água tem muito medo de faca e de fumo.

Vivinho
Vivinho é um pássaro que advinha o que vai acontecer.

Quando ele chega para cantar, o índio diz assim: Vivinho, Vivinho, se for notícia boa, cante e se for notícia ruim, vá cantar lá nas ondas do mar sagrado e leve a notícia ruim para bem longe.

Se ele permanecer cantando, é sinal de que vai acontecer uma coisa ruim na aldeia.



Anexo II - ALGUMAS MÚSICAS DO TORÉ


No rio de São Francisco / Do outro lado de l´/ Tem duas cabocla índia / Dançando o seu toré / Bebendo água no seu coité / Ô cabocla do mato / Só vem folgar / Ô cabocla do mato / Só vem folgar / Ô cabocla do mato / Só vem folgar.

“Eu não sou daqui e nem sou de Mirandela / Nós viemos desabrigados da barragem de Rodelas
Peregrinos, vou-lhes pedir com dor no coração / Pelo amor de São Francisco tenha de nós compaixão
A barragem de Itaparica nos fez esta ingratidão / Tirando nós da nossa terra nos deixou na solidão
Com os olhos cheios de lágrimas já cansados de chorar / Sem saber cmo é que passo sem nossa aldeia Tuxá
A nossa Ilha da Viúva o grande lago inundou / Era nosso patrimônio herança dos meus avós
Quando eu olho o Rio São Francisco me dá vontade de chorar / Porque as águas que aqui passa em Rodelas vão passar
Esta nossa longa história no futuro eu vou contar / Vou sentir tanta saudade de tristeza vou chorar
Já não posso mais cantar pois sinto grande emoção / A saudade dos parentes e das festas de São João
Somos índios de Rodelas recentes nesta cidade / Desejamos ter amigos fazer novas amizades
Já cantamos nossa tribo inda tornemos cantar / Viva São João Batista padroeiro dos Tuxá”







Anexo III - LOCALIZAÇÃO





GRUPO INDÍGENA: TUXÁ

POPULAÇÃO: 15 família (FUNAI/88).

LOCALIZAÇÃO: Município de Inajá/ PE. A margem do rio Moxotó, entre Inajá e Ibimirim, sertãode Pernambuco. Próximo ao limite da Al Kambiwá.

EXTENSÃO: 140 ha (FUNAI/88) e 164(CHESF).






fontes bibliográficas



Estrela, Ely Souza
“Assentamentos indígenas no médio São Francisco.” Revista Travessia n.39, 2001.

Olivereira, Edileusa Barros de
Tuxá Ibotirama: vida e cultura do povo Tuxá de Ibotirama / Edileusa Barros de Oliveira, Genésia Leôncio da Silva, Valdineide Rodrigues dos Santos. – Salvador: EDUNEB, 2007.

Melo, Rita Maria Costa
“Índios e Barragens: o caso Tuxá em Itaparica.”.Caderno de Estudos Sociais – FUNDAJ- Recife, n.2, 1988.

MESSEDER, Marcos Luciano LopeIn: ESPIRITO SANTOS, Marco Antonio dos. Política
indigenista: leste e nordeste brasileiro Brasilia: Fundacao Nacional do Indio, 2000.

MESSEDER, Marcos Luciano Lopes. Interpretando passado, orientando o futuro:
Uma análise comparativa das diversas políticas entre os Tuxá (BA) e os Tremenbé (CE) e suas relações com o Estado.

Smith, Warney.
As redes do Toré: o movimento indígena do Nordeste. Revista da Universidade Católica de Goiás. Goiana: Ed. UCG, 1973.

Sites consultados:

http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/tuxa.htm

http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=897&eid=318

http://www.aup.org/lista/pr9071.htm

http://risf.ana.gov.br/detalhenoticias.asp?codnot=1114&codman=1

http://www.overmundo.com.br/agenda/historias-tuxa-livro-preserva-a-linguagem-oral-de-comunidade-indigena

http://ursasentada.blogspot.com/2008/04/histrias-tux-livro-preserva-linguagem.html

http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJA63EBC0EITEMID961451E24E38456780F394312D5CAF2APTBRIE.htm

http://www2.uol.com.br/JC/_1998/0308/br0308e.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jurema_sagrada

http://www.ufrn.br/sites/evi/metapesquisa/velhos/jurema.html

http://www.indiosonline.org.br/blogs/index.php?blog=3&p=61&more=1&c=1

http://www.rodelas.com/rodelas.php

http://users.lycaeum.org/~room208/jurema/Rodrigo/JU1.htm

http://www.socioambiental.org/pib/epi/kiriri/rit.shtm

http://hemi.nyu.edu/course-rio/perfconq04/students/work/jose.htm






Trabalho de pesquisa bibliográfica realizada pelos alunos
Anaíra Mahin, Leandro Fontes e Nilvânia Barros para a disciplina
de Antropologia Indígena, ministrada pelo professor Phd Renato Athias,
do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco,.
Recife, Maio/2008.